Ele gostava da borga diária. Sob pretextos misturados com mentiras, a necessidade de estar com os amigos era maior que qualquer imposição da condição de "união de facto". Ele gostava de beber, muito, de se embebedar, de perder o tino. Ele gostava de fumar ganzas, de tomar tudo o que houvesse para se abstrair da realidade, da triste, dele, de saber que em casa não teria mais se não uma solidão partilhada a dois. Ele gostava de chegar a casa tarde, no silêncio da noite e ligar a televisão num canal de sexo. Ele gostava de dormir pouco mais de 4 horas. Ele gostava de fazer sempre qualquer coisa. Qualquer coisa sem ela. Ele não era o tipo de homem de ficar enroscado no sofá a ver filmes, seja de noite ou numa daquelas tardes de chuva. Ele gostava de sair. Ele gostava de se mostrar aos outros. E às outras. Ele gostava de andar bem vestido e chateava-se sempre que ela não lhe vincava bem as mangas das camisas pretas e brancas, as únicas cores que usava. E ficavam-lhe bem. Ele gostava de ter o cabelo grisalho e olhar-se ao espelho. Ele gostava de realçar o verde acastanhado dos olhos com colírio.
Ela gostava de ficar em casa. Ela gostava de fumar o único cigarro do dia, depois de jantar, na varanda com vista para a via rápida, onde por baixo permanecia uma pequena horta dos velhotes lá do sítio. Ela gostava de sair de casa de manhã com o cabelo ainda molhado, mesmo que ele resmungasse com a sua falta de cuidado na aparência. Ela gostava de fazer a depilação de 15 em 15 dias. Ela gostava de chegar a casa e de não ter ninguém que lhe perguntasse "Então querida, como foi o teu dia?". Ela gostava de despir e vestir roupa em frente ao espelho, acreditando que tinha um corpo bonito. Ela gostava de se fotografar em poses artísticas e de, um dia, enviar-lhas por email. Mesmo que ele a desprezasse. Ela gostava que ele um dia chegasse a casa e lhe desse um beijo de boa noite. Ela gostava que ele lhe fizesse o jantar uma vez por outra. Ela gostava de ir no metro e de fixar os olhos no homem que estava sentado à frente, um homem, qualquer um. Ela gostava de se masturbar em frente ao espelho.
Um dia, ela fartou-se de lhe vincar as mangas das camisas que vinham sujas das noites. E ele... ficou sem reino onde reinar.
2 comentários:
É caso para dizer: "O Rei vai nú"!
E com a camisa amarrotada!
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