quarta-feira, 30 de abril de 2008

Do Alentejo, com amor

De cada vez que vou à terra da mãe (Barbacena, Elvas, Alto Alentejo), é como se fizesse uma viagem no tempo. Recordações, objectos antigos, livros, fotografias, paisagens. De todas as vezes, a minha lenga lenga é sempre a mesma.
"Mãe, dá-me o rádio dos anos 40, rectangular, castanho, que ainda funciona."
"Mãe, dá-me o ferro em ferro, que funciona a carvão, pesado como tudo."
"Mãe, dá-me os pratos em latão com frutos para pendurar na minha cozinha."
"E dá-me também a cafeteira em latão."
A todos estes pedidos um redondo NÃO, que já foi mais convincente. Talvez daqui a uns anos ceda.
Abro os armários à procura de coisas, que já conheço de cor. Vasculho as loiças. Três canecas castanhas para cerveja calham-me na rifa.
Encontro uma caixa de madeira com fotos da juventude do meu avô. Alto, magro, cabelo sempre penteado, bem arranjado, um belo partido, ainda que com poucas posses. Fotos com a data escrita à mão e a memória do local.
Um pequeno livro do Ministério do Exército, "Rumo à Índia", Natal de 1956, composto e impresso pela Papelaria Fernandes, ocupa-me o resto da tarde. É um guia de missão para os soldados, com conselhos para a defesa da Bandeira, da terra e da unidade. Missão: "garantir, a todo o custo, a manutenção da nossa soberania em Goa, Damão e Dio." Isto promete...
Frases como "podemos dividir o seu clima em três estações: uma quente, uma menos quente e outra ainda menos quente", e "Em Damão, não chove tanto como em Goa, e em Dio, chove ainda menos", fazem-me ficar com aquela cara de parva.
"A embriaguez é o caminho directo para a desordem e a razão segura da quebra de prestígio. (...) Mais perigosos ainda são os produtos das destilatórias locais, conhecidos por fenim e sura. Se os beberdes, mesmo que em pequena quantidade, depressa ficareis perturbados e, se abusardes deles, arruinareis a vossa saúde."
Os conselhos continuam... "Não penseis em namorar uma moira (maometana); nada conseguireis e, se insistirdes, provocareis grande agravo e uma desordem de que saires mal, com prejuízo para tudo e para todos."

quarta-feira, 23 de abril de 2008

As coisas que eu sei

Uma gaja sabe que é VIP quando, ao ligar para a Radar, nos dizem assim: "Ah, já sei quem é".

terça-feira, 22 de abril de 2008

Mr. Fucking Fascinating Nick Cave

Tenho uma admiração e fascínio pelo Nick Cave que roçam os meandros do exagero. Gosto de tudo. Da sensualidade em palco, do corpo magro, das calças justas nas pernas e à boca de sino, dos sapatos bicudos, da camisa justa desabotoada, do fio ao pescoço, do cachucho na mão direita, dos gestos com as mãos, do bigode, do cabelo escorrido e para trás da orelha, do movimento de ancas e pernas. Da voz, sobretudo, da voz. Grave. Dito assim, parece que estou a falar de um chulo qualquer. Até pode ser. O Nick Cave tem ar disso. Mas tem também muito estilo em cima. Para alguns, é uma figurinha, com todo o sentido depreciativo que isto comporta. Para mim, é arrebatador.
Gosto do que as músicas dele me dão. Ontem, deram-me muita coisa. Principalmente, em que pensar. É o que eu gosto nos concertos. A música ao vivo dá-me que pensar. E a do Nick Cave, mais ainda.
Vi-o chegar de carro, com o seu look impecável. Do camarote, vi um coliseu cheio. E um Nick Cave por inteiro. Uns queriam o Nick Cave das baladas, outros o Nick Cave das músicas pesadas. Tiveram os dois. Como ele próprio disse, ouvem "a loud or a soft song. We can´t do anything between".
"Into my arms" foi a que mais me chegou aos olhos. E a que ouvi na rádio a caminho de casa. Do meu lado direito, parado nos semáforos, um rapaz de Beetle trauteava a mesma canção que eu.
Dois encores. Muito à vontade em palco, pesem também os anos de rodagem. Talvez regresse. Para mim, faltou uma. A minha. Porque todos nós temos uma canção que tomamos como nossa. "Babe, you turn me on".

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Temo que estes momentos de insanidade se repitam frequentemente II - Eu avisei...

E se, de repente, alguém nos diz que vivemos numa ilusão? Que o que tomamos como certo é, na verdade, uma grande incerteza?
E se, de repente, alguém nos faz questionar tudo, até a cor do verniz com que pintamos as unhas dos pés?
E se alguém nos diz que, mais dia menos dia, vamos ter que decidir? E que essa decisão vai ser a desilusão de outro? (decidir o quê?)
Até que ponto sabemos que somos amadas e que amamos um outro? Amar é chegar a casa e ter o jantar feito? É abrir a porta de casa e sentirmo-nos feliz por não estamos sozinhas?
É ter saudades? É ter prazer quando fazemos amor? Ou ficarmos completamente KO, de todas as vezes que o fazemos?
É sentir ciúme ou ter plena confiança?
É seguirmos em frente sem medo de cair porque sabemos que seremos amparadas?
O que é? (a terceira cerveja começa a falar...)
É sentirmo-nos completas? É olhar para um futuro longínquo e não nos imaginarmos com mais ninguém?
É gostar? É cuidar? É acarinhar?
É termos um porto de abrigo para onde vamos sempre que ficamos sem chão?

E agora, para descontrair, uma e outra coisa.

I think I need rehab, too.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Temo que estes momentos de insanidade se repitam frequentemente

Sozinha em casa, com o Bono refastelado na almofada que tomou de assalto, qual poltrona, enquanto o vento sopra forte lá fora, dou por mim a pensar em coisas tão estúpidas como estas:
- Por que é que não guardei os All Stars amarelos que calçava aos 15 anos?
- Por que é que as mães ficam com cara de mães?
- Por que é que a comida indiana me faz mal? E por que é que eu insisto em comê-la?
- Por que é que uma só imperial me faz ir quatro vezes à casa-de-banho?
- Por que é que os gajos que cantam realmente bem e têm vozes orgásmicas, ou são gays ou são feios?
- Por que é que eu insisto em guardar roupa que sei que nunca mais vou vestir?
- Por que é que as mulheres não recebem forwards de links do youporn?
Ah... descobri que há algo de sensual no ritual de um homem fazer o próprio cigarro.


Gosto...

... deste silêncio. Pena que os telefones o interrompam!

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Shame on you

Eis que, à primeira nesga de sol, as moçoilas largam as botifarras (eu sei que já escrevi sobre isto. Se não se lembram, não faz mal) e vão à pressa comprar umas sandálias para calçar no dia seguinte. Esquecem-se, porém, de um pequeno grande pormenor. Pelo menos, cortem as unhas. É o mínimo.

terça-feira, 1 de abril de 2008

O caso do telemóvel / Dá-me o telemóvel JÁ / O caso Carolina Michaelis

Chamem-lhe o que quiserem. Eu estou cansada de ainda ouvir falar neste episódio e de ver o vídeo. De repente, o país ficou em choque com tamanha audácia da aluna que enfrentou a professora. Já não há respeito. É verdade. Foi indecente a atitude da aluna e da própria professora. É verdade. Se eu fosse a professora, e se soubesse que estava a ser filmada, nunca, em tempo algum, andava à roda feita parva. Mas também é verdade que estes casos de abuso não são de agora. Lembro-me que no meu tempo, havia sempre um espertinho na turma que enfrentava o/a professor/a, fisica e psicologicamente. Lembro-me, por exemplo, de um aluno armado em esperto com cara de santo "não fui eu", encher a bola de futebol com pedras e chamar o Terry, um professor novo com pêlo na venta e ar de maluco, para dar um chuto. Lembro-me que a expressão do Terry passou de alegria por os alunos terem sido porreiros com ele, para uma expressão de dor contida. O típico gozar é também, uma espécie de violência. Outro exemplo. Na minha turma, um dos alunos mais velhos, já com algum andamento e por quem eu tinha fascínio especial e ele por mim também, mais como se ele fosse o meu irmão mais velho que me protegia lá na escola, atirou uma cadeira à professora de inglês. Foi para a rua? Sim, mas porque ele próprio saiu sem ela ter tempo de fazer nada. Lembro-me ainda da discussão das notas no final do ano com a professora de Técnicas de Tradução de Inglês. As aulas já eram a rebaldaria, quanto mais a avaliação. Resultado: carro da prof com pneus furados.
Na altura, ninguém ficava escandalizado nem faziam notícia destes episódios durante 15 dias seguidos. Tão pouco os alunos eram levados a julgamento.
Outros tempos!