terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Serviço de urgência

O jogador da bola lá de casa lesionou-se depois de, contou-me entusiasmado, "ter fintado um, dois, três e quando vou a rematar com o direito, coloco mal o pé esquerdo e olha...!" Urgências com ele.
Entramos. A sala é fria e feia, como em todos os hospitais e centros de saúde públicos. Não há cadeiras confortáveis, ecrã plasma, música ambiente, decoração minimalista, ambientadores. Na mini-televisão pendurada na parede passa, mal por causa da antena, uma novela da TVI, que na sala de espera todos seguem atentamente.
Ali, naquela sala, parece que as almas definham lentamente, os corpos vestem-se de roupas escolhidas à pressa, às vezes, de pijama. As crianças têm ranho no nariz. Os cabelos estão oleosos. Desdentados, idosos sem família que chegam de ambulância, o ambiente é pesado.
As crianças que não choram, correm pela sala aos gritos. Ouvem-se os "pschhhh" dos pais.
Os bancos rijos convidam ao desespero. Os ciganos (há-os sempre em qualquer urgência) têm os piores casos, estão sempre mais doentes que os outros. Apenas um sofre de alguma maleita, mas nunca vai sozinho. Vai todo o agregado, dez no mínimo.
A senhora do guichet não faz o menor esforço para olhar nos olhos das pessoas. São tantos os que por ali passam, todos queixosos disto e daquilo. Sempre o mesmo. Fitas, pensará. Não facilita. As informações são arrancadas a ferros, não tem trocos e não há emoção nas rugas dos 50 anos.
Uma rapariga entra de óculos escuros, a choramingar, cabelo para a frente, mão na cara. Ao seu lado, um homem, talvez o namorado, talvez o pai, leva-a pelo braço. Oiço a data de nascimento. 17 de Abril de 1990. Ele masca uma pastilha, com toda a força que a placa dentária permite, e de boca aberta. Não lhe dirige uma palavra, um gesto de carinho ou de atenção. A cabeça calva deixa ver as veias grossas, que sobressaem a cada toque da pastilha. Tem as mãos grossas e as unhas sujas. Ela continua a esconder a cara e a choramingar.
Está pouca gente e por isso, demoramo-nos pouco.
Na farmácia, encontro o mesmo casal. Mais de perto, sinto o álcool que exala dos poros e da boca dele. Ao contrário do que inicialmente pensei, ela não tem nenhuma nódoa negra na cara. Mas não lhe consigo ver bem os olhos. Saem e arrancam numa carrinha Nissan, velha, com os pneus a raspar no alcatrão.
Chega a minha vez. Duas canadianas, que o rapaz está lesionado.

2 comentários:

Anónimo disse...

E que tal as taxas moderadoras?

Anónimo disse...

Também paguei! E o raio-x também! Mas foi baratito...