De cada vez que vou à terra da mãe (Barbacena, Elvas, Alto Alentejo), é como se fizesse uma viagem no tempo. Recordações, objectos antigos, livros, fotografias, paisagens. De todas as vezes, a minha lenga lenga é sempre a mesma.
"Mãe, dá-me o rádio dos anos 40, rectangular, castanho, que ainda funciona."
"Mãe, dá-me o ferro em ferro, que funciona a carvão, pesado como tudo."
"Mãe, dá-me os pratos em latão com frutos para pendurar na minha cozinha."
"E dá-me também a cafeteira em latão."
A todos estes pedidos um redondo NÃO, que já foi mais convincente. Talvez daqui a uns anos ceda.
Abro os armários à procura de coisas, que já conheço de cor. Vasculho as loiças. Três canecas castanhas para cerveja calham-me na rifa.
Encontro uma caixa de madeira com fotos da juventude do meu avô. Alto, magro, cabelo sempre penteado, bem arranjado, um belo partido, ainda que com poucas posses. Fotos com a data escrita à mão e a memória do local.
Um pequeno livro do Ministério do Exército, "Rumo à Índia", Natal de 1956, composto e impresso pela Papelaria Fernandes, ocupa-me o resto da tarde. É um guia de missão para os soldados, com conselhos para a defesa da Bandeira, da terra e da unidade. Missão: "garantir, a todo o custo, a manutenção da nossa soberania em Goa, Damão e Dio." Isto promete...
Frases como "podemos dividir o seu clima em três estações: uma quente, uma menos quente e outra ainda menos quente", e "Em Damão, não chove tanto como em Goa, e em Dio, chove ainda menos", fazem-me ficar com aquela cara de parva.
"A embriaguez é o caminho directo para a desordem e a razão segura da quebra de prestígio. (...) Mais perigosos ainda são os produtos das destilatórias locais, conhecidos por fenim e sura. Se os beberdes, mesmo que em pequena quantidade, depressa ficareis perturbados e, se abusardes deles, arruinareis a vossa saúde."
Os conselhos continuam... "Não penseis em namorar uma moira (maometana); nada conseguireis e, se insistirdes, provocareis grande agravo e uma desordem de que saires mal, com prejuízo para tudo e para todos."
5 comentários:
ohhh... conheço tão bem essa sensação. Mais do que objectos há ainda os lugares que te fazem viajar, recordar pessoas e desejar ter naquele momento uma máquina do tempo.
It's priceless.
Um verdadeiro museu! Gosto.
Bjos
Muito bem escrito...
espero que um dia dia escrevas um livro e nesse livro, naquela parte dos agradecimentos, não te esqueças aqui do cunhadinho!
No one will be forgotten!
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