segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Carta em envelope roxo, tal como a fita que segura a chave do teu caixão

Foi um fim-de-semana cinzento, chato, monótono, melancólico, nostálgico. Damien Rice, "q", para condizer. O concerto dos Spoon foi um lusco-fusco de algum ânimo, depois, tudo na mesma.
Deitada no meu (novo) sofá, enrolada na manta, pensava em ti, avô, e nas saudades que tenho tuas. Lembro-me que não gostava quando a mãe dizia: "Este fim-de-semana vamos ver o avô." Tinha medo daquela casa. E continuo a ter, de uma outra forma, por sentir que falta ali a tua alma. Na altura, e por mais que a mãe insistisse, não querias água canalizada. "Para quê? Eu tomo banho ali no quintal, com água fria para ficar sempre rijo." Sempre o foste. O meu avô era o típico homem que gostava de beber a sua pinga, com moderação, de cantar o fado (e que bem ele cantava), de andar sempre bem arranjado e penteado, e de ter a esposa a cuidar da casa. Depois que ela se foi, desleixou-se. Com ele e com a casa. Do que eu mais gostava naquela casa era da barbearia. O avô Laranjo era o único barbeiro da aldeia. Ao sábado de manhã, logo às 8h, já tinha clientela. Adorava vê-lo a manejar a navalha (sem o sangue de Sweeney Todd...), conversar sobre a filha da ti Jaquina que tinha ido a Badajoz, fazer aquilo que toda a gente sabia e condenava. Uma pouca vergonha. Ou do João da Conceição, um malandro de tão preguiçoso que era, não trabalhava e só queria era copos e putas. Isto tudo, claro, ao som dos fados da Amália. Quando os clientes saíam, eu saltava para a cadeira de barbeiro e rodava, rodava, rodava... "Cuidado, gaiata, qualquer dia dás-me cabo das pernas, a mim ou a alguém que aqui passe." Era uma cadeira daquelas típicas de barbeiro, como poucos ainda têm, com o apoio dos pés em aço. Mortífero para quem ali passasse no preciso momento em que eu a girava. Gaiata, era assim que ele me tratava. Era tão bom ouvi-lo.
A mãe obrigava-me a ir com o avô ao café e às tascas, fazer-lhe companhia, passear com ele. Eu não gostava. Ele bebia um copo traçado (só mais tarde soube o que era aquilo) e conversa aqui e ali, já estava a cantar o fado. Cantava tão bem!! Eu escondia-me, para ver se ninguém reparava em mim... Só agora percebo o quanto eu ficava fascinada com o meu avô. Na altura, não sabia que poderia ficar sem ele. Mas fiquei. De um momento para o outro. Uma queda estúpida acamou-o, definhando-lhe o corpo numa cama de hospital. Ficou irreconhecível.
Aquela casa sem ele não faz sentido. Nem o banco do jardim. Nem a cadeira de barbeiro que, entretanto e sem eu saber, a minha mãe vendeu.

Tenho saudades...

6 comentários:

Rp disse...

Hey.
"Apanhei" o teu link no blog da radar... Também ganhei bilhetes para ir ver os Spoon, foi bom!
Gostei imenso do sentimento que empregaste neste post... Revi-me em ti pois também tenho o mesmo carinho que tu pelos meus avós.
Espero que tudo melhore em breve!
*

Anónimo disse...

São dias...

Quebra Ossos disse...

...Mais um blog...coisas de quem não tem nada para fazer, enfim!... -"Só tenho um blog porque adoro escrever"...blábláblá...tretas do costume.
Apesar de me teres dito o endereço do blogg demorei a encontrá-lo...; ginJinha ou ginGinha? . com ou .pt? Ao fim de algum tempo lá consegui entrar no mundo maravilhoso de mais um blog...o teu! Deixa-me dizer-te uma coisa, ao longo da manha só fiz uma coisa, ler tudo desde do dia em que tiveste a infeliz ideia de colocar o primeiro post.
Comparo o teu Blog a um filme (A Vida é Bela) não por ser parecido, (o teu blog não é um filme...ou é?), mas sim, pela carga, diversa, de sentimentos presente nos teus textos; sorri, reflecti, gargalhei e quase chorei (sim, porque um homem não chora)!
Conseguiste surpreender-me, está mesmo fraquinho; mediano; ok, está bom; adorei ler;está fenomenal... Para quando um livro? Não é por ti sabes…é que gostava de dizer que a minha cunhada é aquela escritora conhecida... aquela que tem a mania que sabe redigir…

Anónimo disse...

AHHHHHH!!! Cunhadinho!!! Por pouco, levavas uma resposta daquelas à Espalha Brasas. Pois, é mais um blogue porque me apetece escrever, porque me apetece falar do que eu quiser, quem quer lê e comenta, quem quer lê e não comenta, quem não quer lerm paciência. Não percebi se gostaste ou não, mas pouco importa. Agora que já sabes o endereço, aparece mais vezes.

Quebra Ossos disse...

Cunhadinha, talvez tenha exagerado na dose de ironia empregue no meu texto. Agora, depois de ler outra vez até eu estou confuso...Será que gostei?
Agora um pouco mais a sério;
Adorei o teu blog, li todos os textos e fiquei com vontade de ler um livro teu, quem sabe um dia...
Por falar em, " um dia"… criei um blog hoje (tens que me dar umas dicas) http://www.direitamenteaoqueinteressa.blogspot.com/

Anónimo disse...

Fizeste bem... Mais um sem nada para ver e com a mania que sabe escrever... enfim...